História de um casamento (Marriage Story)
“História de um Casamento” (“Marriage Story”), filme de 2019, é um dos filmes mais comentados neste momento. Esta análise contém spoilers, portanto se você ainda não viu o filme, não continue. Se você já viu ou se spoilers não lhe causam pânico, vamos lá.
Este filme foi escrito e dirigido por Noah Baumbach. Tem nos papéis principais Scarlett Johansson e Adam Driver. Mas não quero me ater à ficha técnica do filme. Isto está na internet, facilmente acessível. Nem vou falar sobre as indicações a prêmios e outros detalhes assim. Vou ao ponto que me interessa: as questões psicológicas, humanas, exatamente o famoso “onde o calo dói”…
Qualquer pessoa que já tenha vivido um divórcio (seja no papel de filho, que vê a família desmoronar e se vê no meio de tudo, sem entender nada), seja no papel de cônjuge (que também vê a família desmoronar e também se vê sem entender nada), sabe que este tema é extremamente doloroso. Sabe que é uma sensação de falta de chão (e de ar) e várias somatizações que variam de pessoa para pessoa, mas quase certamente estão presentes. Assim sendo, Baumbach é primoroso no tom. Ele acerta a medida de drama nas cenas: tudo neste caso já é doloroso demais. Não é necessária trilha sonora contundente, não são necessárias tomadas expondo choros demorados. No filme (como na vida real), a dor é engolida a seco, sem necessidade “daquela” música que vira hit. E o choro vem, vira raiva, depois resquício de carinho, depois raiva de novo e infinitamente nessa oscilação.
Vemos os protagonistas abatidos, com olheiras, e deduzimos que estão há noites sem dormir. Vemos expressões de raiva e mágoa que dispensam longas explicações: ao longo do filme, vamos entendendo o que cada um sente: os ressentimentos, as frustrações, tudo vai aparecendo aos poucos, em uma briga aqui, uma discussão ali… Como na vida real, onde as pessoas também têm dificuldade de se expressar objetiva e claramente, e as verdades (sim, plural) vão surgindo aos vômitos: regurgitadas dentro da cabeça dos personagens e mostradas através de falas que jorram exatamente nos piores momentos: quando eles brigam.
Não há um vilão e um mocinho. Não se pode dizer que este ou aquele personagem causou a ruína do casamento. E nisso, também, Baumbach é fiel à realidade. Salvo casos em que uma pessoa deliberadamente fere outra, a maioria de casamentos falha porque as pessoas vão se frustrando, se desconectando de si mesmas e umas das outras e, no fim, não reconhecem mais aquele que, outrora, era um parceiro. E o filme mostra bem isso: cada um se sente magoado, ferido, mas a sensação que se tem é que são duas pessoas sem a mínima habilidade para dialogar. Essa inabilidade leva ao fim do casamento e os leva a procurar advogados que apenas tornam o processo mais penoso, mais cruel.
Em meio a toda essa dor, existe uma criança. E como de costume, a criança sofre porque os pais estão, eles próprios, infantilizados demais em suas carências, em suas mágoas… A criança é colocada no centro de uma disputa: em que cidade vai morar, que fantasia vai usar e com quem passará o Halloween, e todas aquelas situações típicas (e dolorosas) passadas por filhos durante o divórcio dos pais.
O filme chega ao fim e já existe toda uma atmosfera de mais amizade e entendimento entre eles. E é neste momento em que se veem as cenas mais belas (e se for para chorar, este é a hora). Pai e filho lendo a carta que a ex mulher se recusara a ler, na primeira cena do filme, diante do terapeuta de casais. Nesse momento, a doçura, o carinho e a admiração de outrora reaparecem, pois a carta é sobre o que ela via de positivo nele. Quando então ela o chama e amarra seu cadarço, gesto surpreendente e cheio de ternura, pode ser a trégua. Uma parceria entre o ex casal parece estar reconfigurada. Ele passará um ano em Los Angeles, para estar mais perto do filho e ela o olha, agora, com carinho. Ela está em um novo relacionamento, mas fica uma esperança de que eles possam reatar. Ou talvez não. Talvez essa nova realidade atingida por eles seja o melhor: existe amizade, afeto e respeito. Existe uma convivência saudável entre eles e o filho. Uma vez afloradas e expurgadas todas as mágoas, dos dois lados, parece haver a possibilidade de voltar a ver o outro sob outra luz, bem mais positiva.
Querida Raquel, gostei muito. Traduziu bem as nuances e a pegada do filme. Parabéns pelo seu trabalho!
Brilhante esta análise do filme. Conseguiu perceber e relatar muito bem todas as nuances e sutilezas que estão presentes. Parabéns .
Ótima analise!
Belíssimo texto! Excelente análise sobre o filme.
Raquel , você consegue expor a realidade de uma forma mais aceitativa ( não sei de existe esta palavra aceitativa, mas se não acabei de criar ). Você tem sentimento nas palavras. Parabéns Prima
Perfeita análise Quel! Se cuida!
Raquel querida, que bom te ler! eu ainda não vi, uma amiga recentemente me contou dele também. Vou assistir. um abraço pra ti