Mulheres do século 20

Mulheres do século 20
Tempo médio de leitura: 3 minutos

 

Neste filme de 2016, dirigido por Mike Mills, vemos um elenco de peso (Annette Bening, Greta Gerwig,etc.) em uma história nada convencional sobre feminismo, angústias existenciais e uma questão que parece assombrar os personagens do filme tanto quanto pessoas na “vida real”: como ser homens e mulheres melhores…

A partir de agora haverá spoilers…

Dorothea é uma mãe que cria sozinha seu filho Jamie. O ano é 1979 e o adolescente está com 15 anos e ela com 55. No decorrer do filme, temos acesso tanto ao ponto de vista de Dorothea como de Jamie, pois de tempos em tempos surgem suas perspectivas em off. Esse recurso é interessante, pois assim podemos compreender melhor cada um deles e a forma como enxergam e percebem o mundo, bem como a relação de mãe e filho.

Dorothea é uma figura peculiar: de certa forma sufoca o filho, talvez por se sentir sozinha e ter concentrado nele toda sua atenção. Ao mesmo tempo, preza pela autonomia do mesmo, e através de flashbacks vemos que desde muito cedo ela exigia que as pessoas o vissem como um indivíduo. Por exemplo, quando o diretor da escola diz que Jaime não pode simplesmente faltar às aulas ela o questiona: “por que não? E se ele sentir a necessidade de faltar, por que não pode?” Ela parece tentar validar os anseios do filho, mostrando a ele, desde cedo, que o que ele sente é importante- pelo menos para ela.

Jaime, por sua vez, traz questões para Dorothea que ela prefere, claramente, ignorar. Com perguntas existenciais ele a força a ver coisas que ela tenta não enfrentar. “Você é feliz?” “Você não se cansa de ser triste e sozinha?” (ou algo assim) são exemplos de pensamentos que ele traz, apesar do claro desconforto da mãe ao ouvi-lo, nesses momentos. Em uma dessas típicas brincadeiras inconsequentes e irresponsáveis de adolescentes, Jaime fica desacordado e precisa ir para o hospital. Quando confrontado pela mãe, que pergunta se ele queria se matar, ele devolve dizendo: “você tenta se matar aos poucos, fumando dessa forma”. E Dorothea, de fato, é uma fumante compulsiva.

Na preocupação em fazer de Jaime um indivíduo o mais completo possível, Dorothea vai compreendendo que não pode ensinar tudo a ele. Primeiramente tenta forçar uma conexão entre ele e William (um homem que aluga um quarto em sua casa), para que Jaime tenha uma figura masculina com quem conversar. Ao ver que os dois não têm assuntos em comum, ela pede que Abbie (uma moça que aluga outro quarto em sua casa) e Julie (amiga de Jaime) o ensinem sobre a vida, sobre o mundo.  Elas aceitam a missão e o que ocorre é que todos os moradores da casa (Julie não mora com eles, mas está sempre lá) acabam aprendendo juntos sobre o mundo e sobre eles próprios. Eles acabam sendo a família uns dos outros e, dentro de suas próprias questões, acabam se ajudando.

Abbie é uma fotógrafa que está se recuperando de um câncer cervical e recebe do médico um prognóstico negativo sobre uma futura gestação. Ele a desaconselha, devido ao procedimento cirúrgico que a deixou com, nas palavras do médico, “o colo incompetente”. Ela tira fotos de seus pertences como se fosse uma espécie de inventário emocional e tenta descobrir seu lugar no mundo. Julie, com 17 anos, tem uma vida sexual intensa, mas não se apega a ninguém. Ela parece estar emocionalmente perdida, tem um péssimo relacionamento com a mãe que, apesar de terapeuta, parece não ter a menor noção das angústias da filha, e a forma como lida com o próprio corpo e com a sexualidade parece ser uma forma de preencher, de forma ineficiente e autodestrutiva, um eterno vazio. William é uma espécie de faz tudo: desde consertar motores até fazer cerâmica, incluindo na lista também trabalhar como pedreiro, na casa de Dorothea. Ele também tem uma história triste, já tendo um divórcio e uma dificuldade de se aproximar das mulheres.

O filme traz inúmeras referências a livros, discos e momentos históricos. Jaime, por exemplo, fala que a mãe “foi criada durante a Depressão, quando era normal todos ajudarem a criar os filhos dos outros”, para justificar para as moças o porquê do pedido de Dorothea, para que elas a ajudassem com ele. Abbie resolve dar a ele um livro sobre feminismo. Jaime acha interessante a leitura e decide que quer ser um homem melhor. Um homem que escute as mulheres, que tente entendê-las. Em um dado momento, ele diz: “acho que sou um feminista”.

A impressão que temos é que eram vários seres perdidos em seus problemas, mas ao se juntarem tornam tudo menos pesado e bem menos solitário. Ao fim, vemos que cada um seguiu seu caminho e que se tornaram homens e mulheres melhores, no sentido de tentar se conhecer e conhecer melhor o outro. Fica um sentimento melancólico de que as pessoas passam umas pelas vidas das outras e, muitas vezes, não permanecem. Mas, enquanto a convivência existe, é possível fazer uma grande diferença e tornar a caminhada de cada um menos árdua e mais interessante…

 

 

 

 

Raquel Andrade

Raquel Andrade é graduada em Letras (UFMG) , tendo cursado um semestre na Wayne State University (Michigan, Estados Unidos), onde estudou literatura e cinema. Mestre em Literatura (UFOP), dissertou sobre o livro “O Morro dos Ventos Uivantes”, de Emily Brontë, e três adaptações deste romance. Já lecionou idiomas em várias escolas e atualmente é autônoma, ainda trabalhando com ensino de línguas e tradução. Traduziu um conto de Hemingway e já realizou tradução consecutiva, entre outros trabalhos. Apaixonada por livros, séries, filmes e tudo que envolva a sétima arte.

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