Tudo Vai Ficar Bem
Tudo vai ficar bem (2015) é um filme dirigido por Wim Wenders. Existe praticamente uma tradição de excelência quando se trata deste diretor. Mas se você assistir Tudo Vai Ficar Bem esperando algo como Asas do Desejo, Tão longe, tão perto ou Paris, Texas, você vai se decepcionar um pouco. Não que este último não seja bom, porque é. Mas não há o mesmo brilho dos outros filmes de Wim Wenders…
Penso que possa ser uma impressão minha, e convido a todos para que vejam Tudo Vai Ficar Bem e tirem suas próprias conclusões. Eu sou apaixonada pelos filmes de Wim Wenders e qualquer coisa que venha dele é recebido, por mim, com muita expectativa. Portanto, posso estar sendo demasiadamente dura com este filme.
Acredito que a escolha de James Franco para protagonista de um drama também fez o filme perder impacto. A história é belíssima, densa, mas esse ator me parece raso demais para o papel. Rachel McAdams também não ajuda a dar muita profundidade… Em contrapartida, temos Charlotte Gainsbourg sendo impecável como sempre. Bom, um filme dirigido por Wim Wenders e com a presença de Gainsbourg não tem como dar errado. Mesmo que não seja um dos melhores do diretor, ainda assim vale muito ser visto.
A partir de agora, haverá spoilers…
Tomas é um escritor com um bloqueio imenso (clichê…). Ele se isola no meio da neve para tentar conseguir inspiração. Sua esposa telefona para ele, tentando fazê-lo voltar para casa. Ela insiste muito, liga várias vezes e ele parece relutar em falar com ela. O casal está, visivelmente, em crise. Em uma dessas chamadas ele olha para o celular, enquanto dirigia, e acontece um acidente. Ele vê um trenó passando por seu carro, vindo do meio do nada, na imensidão branca da neve que o cerca por todos os lados. Tomas consegue frear e encontra uma criança assustada, aparentemente em choque, sentada junto a seu carro: Christopher é seu nome. Aliviado por não ter machucado o menino, ele decide levá-lo até sua mãe e contar o que houve. Os dois sobem juntos o que parece ser uma infindável montanha. Em um dado momento, Tomas carrega o menino sobre seus ombros, para que possam ir mais depressa. A subida é agradável, pois o escritor se encontra feliz (o que parece ser algo raro para ele) por não ter ocorrido nada grave. Conversa com a criança sobre bonecos de neve e a atmosfera é positiva. Quando, porém, a mãe (Gainsbourg) abre a porta, ficamos sabendo que havia outra criança, Nicholas. E ele não teve a mesma sorte do irmão…
A partir de então, vários anos vão se passando. O filme vai sendo dividido e marcado pelo passar do tempo: “2 anos depois”, “4 anos depois”, aparecem na tela e vamos vendo o que foi acontecendo com os personagens, como foram se modificando e lidando com tudo que aconteceu. A mãe das crianças é primorosa em mostrar, apenas com a expressão de seu rosto, a dor que parece não diminuir, mesmo após tantos anos. E também em suas palavras: em uma conversa de telefone, dois anos após perder o filho, ela diz que trabalha em casa para cuidar dos meninos (plural). A mãe está dilacerada e depois compreendemos que ela, assim como Tomas, sente ter sua parcela de culpa: no dia do acidente ela estava presa nas páginas de um livro de Faulkner e, por isso, esqueceu de chamar os meninos para dentro de casa. Ela não culpa Tomas, mas se culpa: “eu não conseguia parar de ler, e já era para ter chamado os meninos de volta há muito tempo, quando aconteceu o acidente”. Consumida pela culpa, queima o livro.
Tomas, por sua vez, parece ter conseguido a inspiração que lhe faltava. Volta a escrever, ganha prêmio, se torna um escritor bem sucedido. Antes disso, porém, ele chega a descer ao fundo do poço, em uma depressão que parecia jamais ter volta. Tem-se a impressão de que o acidente o destruiu mas, ao mesmo tempo, o reconectou consigo mesmo. Sua vida pessoal também parece se reajustar, na medida em que ele parte para outro relacionamento no qual ele continua sendo distante, mas parece agora, pelo menos, ser um pouco mais sociável (a primeira esposa também consegue um casamento mais saudável). A convivência com seu pai também parece melhorar e ele passa a ser um filho mais amoroso e paciente. Ainda assim, Tomas parece ser uma pessoa fria, inatingível, quase um ser sem emoção. Em alguns raros momentos parece sair dessa apatia, demonstrar algum afeto, mas de um modo geral parece meio que robótico.
Essa frieza é posta em cheque anos mais tarde quando Christopher (o menino que sobreviveu) decide seguir o conselho de sua psicóloga e procurar Tomas. Christopher desenvolveu uma espécie de obsessão por Tomas, tendo lido todos os livros escritos por ele e pesquisado sobre sua vida. As melhores cenas de Tomas (e do filme todo) são as cenas em que ele está com Christopher. Esses parecem ser os momentos nos quais Tomas se abre, ainda que com dificuldade. Christopher o confronta, dizendo achar injusto que Tomas tenha prosperado, enquanto sua mãe não conseguiu se refazer após o acidente no qual Nicholas morreu. Racionalmente, não há, de fato, razão para que Tomas não pudesse seguir sua vida. Afinal, como a mãe dos meninos diz em uma cena, ela e Christopher não o culpavam e até rezavam por ele. O fato é que essas pessoas (a mãe, o filho sobrevivente e Tomas) ficaram para sempre conectados, ainda que distantes. A última cena traz uma espécie de redenção para Tomas e libertação para Christopher: os dois têm uma conversa longa e, ao fim, Christopher vai embora, pedalando, e seu sorriso parece ser o de alguém que resolveu algo que estava, há tempos, pendente. Tomas também sorri e fica clara a razão do título do filme: tudo vai ficar bem. Ainda que demore, ou que seja difícil, as coisas acabam sendo resolvidas.